quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eu sinto uma dor tão doce

Eu sinto uma dor tão doce,
Parece contradição,
Como se intenso nevão
A tórrida praia fosse...

Mas é pura sugestão
Na inquietação agridoce;
Um passarinho me trouxe
A agradável sensação!


E vai doendo a ferida,
A dor quase apetecida
Que me lembra e me consola.

O tempo refina a idade,
Esta refina a saudade,
Cada uma nos imola...

Artificial

Olha como sou feio, desastrado,
Bem cuidado, é certo, mas banal!
Como qualquer alguém também mortal
Bate-me um coração, talvez cansado,
Não frio, como estátua em pedestal.
Com esta má figura e acanhado
E com o coração batendo mal,
A alma triste em negro gradual,
Estou sózinho, estou abandonado,
Como náufrago em pleno temporal!
E ando por aí, desconfiado,
Olhando para todos, no local
Onde passo. De modo casual
Vou caminhando em passo descuidado
Metido em pensamentos, afinal.
Como um autómato, desnorteado,
Absorto, alheio a tudo, informal
Sigo pelo caminho em diagonal,
Arrastando o meu corpo derreado
Como palhaço em pleno carnaval.

. . .

Que pesadelo! Estou mortificado!
Não sou assim, nem este visual
Descrito deste modo original
É meu, não corresponde, foi forjado,
É qualquer coisa de artificial...

Pálpebra

Fechou-se a pálpebra. Acabou o dia!
As aves, em ruidosa sinfonia,
Acomodam-se, inquietas, no arvoredo...
Dentro da noite, escura como breu,
As estrelas cintilam lá no céu
E começaram a brilhar mais cedo.


Silêncio. Um silêncio tão absoluto,
Que nem vento nem folha, nada escuto!
Só eu, na companhia das estrelas.
E naquele momento, nesse instante,
Vaidoso me senti e importante
Porque era apenas eu, no meio delas.


E reparo na Estrela da Manhã...
Lá longe bem escuto coaxar a rã
Em algazarra divertida, claro!
Um cão ladra, convicto, não sei onde
E logo após um outro responde
Num aceso diálogo, não raro.


E descerra-se a pálpebra. De novo
A luz do Sol desperta, anima o povo
Com pujança e fulgor sem paralelo.
Senso impossível eu localizá-lo,
Canta um afoito, fulgurante galo,
Autoritário rei no seu castelo!

A Natureza chora

A Natureza já chora...
Para nós é uma alegria
Pois há muito não chovia
Tanto como chove agora.

Tão cinzento está o dia,
O melhor é ir embora
E vamos lá para fora
Se vier uma alvazia.

Anda-se desprevenido,
O povo anda esquecido
De Invernos anteriores.

Sem conhecerem a lua
Apanham chuva na rua!
Do céu ouvem-se rumores...

Saudades

A tua imagem na memória trago
E sinto um terno, quente, doce afago
Nesta lembrança calma que é uma aurora.
Andando todo o dia porta fora,
Defronto, sem te ver na realidade,
Imenso, um longo dia de saudade,
Saudoso como a ave do seu ninho,
Correndo lento, tão devagarinho,
Que os caminhos desertos já decalco
Nesta paisagem verde que é meu palco!
Quando oiço a ruidosa passarada
Na sua sinfonia baralhada,
Enfrento então a noite já caindo,
Voltando a casa e ver teu rosto lindo
Na noite, aquela luz que me alumia
E faz dela aurora, claro dia!

Retrato de Santa

Quando tu cantas, tua voz me encanta
Entoando singelas melodias...
E como eu gosto dos amenos dias
Em que me chega o eco de quem canta!

E as celestes pupilas luzidias,
Tão dignas do retrato de una Santa,
Suspendem-me as palavras na garganta,
Sinto arrepios, ficam as mãos frias.

E as loiras cores das formosas tranças
Brilhando, matinais, em ondas mansas
Enroladas ao teu pescoço nu,

São para mim volúpia e tentação,
Fornalha intensa no meu coração
Que eu tenho pena que não sintas tu...

Tristes Emoções

Eu vos digo, vos digo nesta hora
Das guerras e da fome, da doença,
Das misérias que grassam mundo fora,
A cada esquina marcam a presença!

E digo-vos aqui que a mesma aurora
Que aquece, que alumia, tão intensa,
Alumia quem ri, também quem chora,
Aquele que mais perde ou o que vença...

Alumia o mais leve passarinho,
Dos que andam por aqui, que fazem ninho
Nas densas sebes verdes do jardim;

Que cantam, descuidados, as canções
Que me despertam tristes emoções
E me conduzem a pensar assim.

Capital

Sinto por ti uma atracção vermelha,
Uma força invisível, poderosa,
Como o perfume fino de uma rosa
E a canseira diabólica da abelha.

É paixão doentia, perigosa!
Mas, como tu sabes, antiga, velha,
Só realizável, como se aconselha,
Em atmosfera quente e odorosa.

Mas toma nota, o tempo passa, corre,
Todos os dias nasce e todos morre!
Como o futuro, enfim, é virtual...

O tempo foge e foge bem depressa,
Quer queiramos quer não, não mais regressa!
Não percas tempo. O tempo é capital.

Passado, presente e futuro

Temos passado. Existe na memória.

Presente, o dia de hoje, o actual.

Cada dia vivido é uma vitória,

Menos um no futuro virtual !

Minha Solidão

Quando nosso olhar se troca
Boa sensação imprime:
Faz crescer água na boca
E subir tensão sublime.


Tua presença é tão pouca
Que meu coração oprime,
Fazendo-me a vida louca
Que o meu rosto assim exprime.


Minha solidão é tanta
Que a ninguém decerto espanta
A tristeza que me habita.


O dia acaba depressa
E a noite chega e começa
Um fogo em mim, que crepita...

Não é paixão

Eu não encontro uma rima,
Uma expressão inspirada,
Essa palavra que exprima
A paixão desesperada!

Seria uma obra-prima
Para sempre apreciada!
A que redime e sublima
A alma despedaçada.

O pensamento me leva
Pela aurora. pela treva,
Nas paragens do horror.

Não encontro essa palavra,
Mas o fogo ainda lavra...
Não é paixão, mas amor.

Apelo

Sinto um apelo, um intento
Para me encontrar contigo...
É desejo que persigo
Concretizar esse evento!

Quero ser porto de abrigo
Quer da chuva, quer do vento,
Responder ao chamamento,
Ser teu herói no perigo!

E como compensação
Não mais que a tua atenção
Cá de mim não se distraía.

Mas a prenda maravilha...
...Era aquilo que fervilha
Debaixo da tua saia...

Eternidade

A Eternidade está batendo-me na porta
E não sei como então resisto ao chamamento,
Tão intenso, tão forte e frio como o vento
Que sopra duro, rijo, atroz! Quase que corta!

É luta desigual, mas tenho algum alento.
Porém a Vida existe, ainda não é morta...
Lutar, neste momento, é o que tudo me importa,
Embora saiba ser em vão o meu intento!

Obscura Eternidade que se não conhece,
Manto negro cobrindo aquele que falece,
Universo infinito onde pairam as almas!

Vislumbro a porta aberta para eu entrar,
Almas voam ali e andam a pairar...
Fora, na despedida, lágrimas e... palmas!

Assombro

Entras na Igreja... Um assombro!
Meu olhar a ti se prende.
Não sei se Cristo se ofende
Por te espreitar pelo ombro...

Também tenho meu Calvário,
Inóspito altar de dor
Onde expio, solitário,
As perversões do amor.

E no lenho que carrego,
Mas que vai continuar,
Vais tu, sem martelo ou prego,
Nele me crucificar!

Do ponto mais elevado

Subi ao alto do monte,
Onde cheguei transpirado.
Descansei um bom bocado,
Bebi água numa fonte.

Do ponto mais elevado
Alarga-se o horizonte:
Em baixo, mesmo defronte,
Olho e fico extasiado!

Correm prateados rios
Lembrando ofídeos esguios
Serpenteando indolentes...

E oiço os pardais palrar,
Andorinhas a trinfar
E mil grilos estridentes...

Não vou perder...

Vou escrever-te um poema,
Um canto só para ti...
Não digas que o escrevi,
Faz do sigilo teu emblema.

Gostava de estar aí,
Em alegria suprema!
Com tristeza, qual diadema,
Não posso sair daqui...

Penso em teus olhos tão belos,
No negro desses cabelos,
No encantador sorriso.

E Cupido, em lava ardente,
Impele-me para a frente...
Não vou perder o juízo!

Opiniões

Falam pelos cotovelos
Com risinhos amarelos,
Elas, sobre o desempenho:
- Valorizo o comprimento;
- Eu, com pouco me contento;
- Para mim, serve a que tenho.

Três opiniões distintas
Nestas frases tão sucintas
Que a sofreguidão consagra!
Um ponto em comum, porém:
Cada qual tem a que tem,
Grande ou não, grossa ou magra...

E estas moças tão boas
São autênticas leoas,
Insaciáveis sem nexo!
Com esposo ou sem esposo,
O que elas querem é gozo,
Sempre, sempre, sempre... sexo!

Passarada

Oiço lá fora um melro assobiar
A melodia ímpar dele, autor,
Em fantástica afinação, vulgar
Nos cantos invulgares do cantor!

Ao longe um rouxinol então responde
Em requebros magníficos, de encanto;
Mas não se sabe o galho em que se esconde,
Para, cantando, estar vertendo pranto.

Salta o pisco. Espontânea defesa,
Lá do alto, lá onde não se vè,
Cantando e assobiando com fineza
Não se entendendo bem, também, o quê!

Vem então o pardal irreverente,
Como palhaço após os trapezistas!
Acabou-se o concerto abruptamente
E deu-se a retirada dos artistas...

Uma Estrela

Maria, que desespero
Eu sinto quando desejo
Abraçar-te e dar-te um beijo,
Mais ainda, sou sincero...

Solto-me e feliz vicejo
E aqui mesmo te assevero,
Não domino nem tempero
Este sonho em que voejo.

Uma estrela no céu brilha
E, vendo essa maravilha,
Comparo-a com teu rosto!

Esse brilho timoneiro
Indicando-me o carreiro,
O caminho que mais gosto...

Serenata

Acorda e vem à janela
Que a Lua com seu palor
Desmaia na face bela
De quem canto com amor.

Ouve a minha serenata
Que com esta voz te canto...
Ah! Se a saudade não mata,
Não morrendo sofro tanto!

E anseio em teus braços
Desfrutar minha paixão,
Que os lentos, cansados passos,
Vão em tua direcção.

Acorda, sim. Vem serena
Nesta calma madrugada!
A voz canta, a mão acena
Com a alma angustiada.

Vem, espero a sentença,
O teu decisivo gesto:
Estou com pena suspensa,
A decisão não protesto!

Não protesto, mas reclamo
E gritarei para a Lua
Que te adoro, que te amo
E ajoelho-me na rua!

Sem disfarce

Não sei se o que vou dizer
Será assim que se diz:
- Enquanto não te tiver
Nunca mais serei feliz!

Se o Destino não quiser
Aquilo que eu sempre quis,
Não vale a pena viver
Sem fazer o que não fiz...

Mas, enfim, eu não desisto
E quero que saibas isto,
Entre nós e sem disfarce.

O meu destino é este,
Todo de negro se veste...
... Mas de rosa quer pintar-se.